No início de 2024, entrou em vigor uma decisão relevante para o ambiente empresarial brasileiro, impactando diretamente a tributação nas operações internas de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49, estabeleceu a inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre essas transferências, com efeitos modulados para o presente ano, como descrito pela Lei Complementar nº 204/2023. Neste artigo, abordaremos as principais implicações desta decisão, as adaptações necessárias às novas normas e como os estados têm regulamentado o tema.
Decisão do STF na ADC nº 49 e a Modulação dos Efeitos
A ADC nº 49 foi impetrada no STF pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, com o objetivo de reafirmar a constitucionalidade da incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, conforme prevista na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996). Contudo, o STF, ao julgar o mérito, concluiu que não incide ICMS nessas operações, entendendo que, na ausência de transferência de titularidade ou ato de mercancia, não se configura o fato gerador do imposto.
Para mitigar possíveis inseguranças jurídicas, o STF modulou os efeitos da decisão para iniciar sua vigência a partir de 1º de janeiro de 2024. Com isso, todas as transferências realizadas entre estabelecimentos de uma mesma empresa, internas e interestaduais, passaram a estar isentas da incidência de ICMS. Essa modulação proporciona segurança jurídica tanto para as empresas quanto para os fiscos estaduais, que precisam adequar seus procedimentos internos para implementar a nova regra.
Lei Complementar nº 204/2023: Adaptação e Regulação dos Créditos de ICMS
Em resposta à decisão do STF, foi sancionada a Lei Complementar nº 204/2023, que ajusta a redação da Lei Complementar nº 87/1996 para consolidar a não incidência do ICMS nessas operações. Com isso, os créditos de ICMS decorrentes de operações anteriores continuam assegurados, podendo ser utilizados na escrituração fiscal do contribuinte.
Além disso, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial sobre a possibilidade de opção do contribuinte em equiparar essas transferências a operações normalmente tributadas. Assim, empresas que optarem por tributar as transferências deverão observar as alíquotas do ICMS previstas nas legislações estaduais para operações internas e nas resoluções do Senado para operações interestaduais (4%, 7% ou 12%, dependendo do estado de destino).
Emissão de Notas Fiscais e Escrituração Fiscal
Uma das principais dúvidas entre contribuintes e profissionais da área contábil e fiscal está na emissão das Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e) para documentar as transferências internas e interestaduais com não incidência de ICMS. O Convênio ICMS nº 178/2023 e as Notas Orientativas do Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários (ENCAT) trouxeram algumas diretrizes provisórias para simplificar o processo até a publicação de regulamentações definitivas.
De acordo com as orientações, a emissão das NF-e deve seguir o modelo utilizado até 2023, mantendo o destaque do ICMS e o Código de Situação Tributária (CST) anteriormente aplicável, para permitir o controle do valor do crédito de ICMS transferido. O campo de “Informações Adicionais” deverá indicar que a operação não está sujeita à incidência do ICMS, conforme decidido na ADC nº 49 e nos termos do Convênio ICMS nº 178/2023. Essa orientação visa padronizar a escrituração fiscal e evitar possíveis questionamentos dos fiscos estaduais até a adaptação completa das obrigações acessórias.
Regulamentação nos Estados e Transferência de Créditos de ICMS
Embora a decisão da ADC nº 49 e a Lei Complementar nº 204/2023 tenham estabelecido diretrizes nacionais, cada unidade federativa tem autonomia para regulamentar a transferência de créditos de ICMS resultantes de operações interestaduais. No entanto, para as operações interestaduais, o Convênio ICMS nº 178/2023 determinou que o crédito de ICMS seja transferido à filial localizada no estado de destino, o que obrigou os estados a se adequarem a essa obrigatoriedade.
Até o momento, as regulamentações estaduais variam amplamente. Na Região Sudeste, por exemplo, os estados de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais já regulamentaram o tema, enquanto o Rio de Janeiro ainda não emitiu normas específicas. No Sul, estados como Paraná e Rio Grande do Sul possuem regulamentações, enquanto no Norte e Nordeste, as disposições ainda estão em atualização em algumas unidades federativas. De modo geral, estados como Goiás e Ceará permitem que o contribuinte opte pela transferência do crédito, enquanto em locais como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, essa transferência é compulsória.
Para os contribuintes que atuam em diversas regiões do país, é essencial consultar as regulamentações locais para assegurar que suas operações estejam em conformidade com as normas estaduais. Dada a complexidade do tema e a falta de uniformidade entre os estados, recomenda-se a orientação de especialistas em direito tributário para garantir a correta escrituração fiscal.
Considerações Finais
A decisão do STF na ADC nº 49 representa uma mudança significativa no cenário tributário brasileiro, promovendo isenção de ICMS nas transferências internas de mercadorias e bens entre estabelecimentos do mesmo titular. No entanto, a complexidade regulatória e as distintas interpretações estaduais criam um cenário de insegurança jurídica para as empresas, especialmente em relação à emissão de NF-e e à escrituração fiscal dos créditos de ICMS.
Empresas com operações interestaduais precisam estar atentas às regulamentações vigentes em cada estado e às adaptações exigidas para o cumprimento das novas obrigações acessórias. Nosso escritório permanece à disposição para auxiliar empresas e contribuintes no entendimento e adequação a esta nova realidade tributária, proporcionando segurança e conformidade fiscal em todas as operações.
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